Há pouco mais de cento e cinquenta anos não existiam computadores, smart phones, redes (internet/social/profissional), tampouco mensageiros instantâneos, publicar um livro por exemplo, era um privilégio para poucos, mas apesar de todas essas dificuldades, naquela época o embate de ideias antagônicas acontecia com classe, ou seja, de maneira inteligente, racional e respeitosa, através de correspondências, livros, conferências, congressos, simpósios ou assembleias, como aconteceu por exemplo, no episódio épico em que um filósofo e economista escreveu o livro A Filosofia da Miséria, e obteve de outro filósofo e economista a resposta no mesmo formato (livro), cujo título, A Miséria da Filosofia, foi uma irônia dirigida ao autor da primeira obra.
Atualmente com toda a tecnologia embarcada e conectada disponível na palma da mão, os embates de ideias foram reduzidos a memes, vídeos, publicações de duzentos e oitenta caracteres, curtidas e compartilhamentos, mas pior do que isso foi que com o advento da web, surgiram especialistas em tudo, afinal o engodo do pseudo conhecimento está disponível logo ali na Wikipedia, e ninguém se importa mais com o fato de que ela foi dominada por milicias de editores, afinal importante mesmo é fabricar consenso e vencer o debate, nem que para isso seja necessário criar uma conta falsa na plataforma para inserir ou editar uma, duas ou diversas páginas na "enciclopédia", com o objetivo de fundamentar e autenticar opiniões enviesadas, como se elas fossem informações e forjar a história através da difusão do famigerado revisionismo histórico, difundido por pessoas mal intencionadas, cujos interesses escusos as fazem relativizar, senão desdenhar da importância do debate acadêmico.
Contudo, o que me assusta não é a atrofia cognitiva coletiva que levou a redução dos debates a míseras frases de efeitos e bordões, que são repetidos até a exaustão e reproduzem num espetáculo patético o senso comum. O que me assusta de verdade é constatar que o respeito deixou de ser compulsório, tornou-se facultativo e na maioria dos casos foi substituído por discursos de ódio, intolerância e violência, ou seja, apesar de todos os avanços tecnológicos do último século, estamos nos tornando miseráveis, o que é triste e lamentável, porque deixamos de discutir teorias e ideias que poderiam nos ajudar a edificar um mundo melhor e nos conformamos com discursos rasos de cunho fascista e reacionário, cujo objetivo é autenticar ódio, intolerância, violência, além de conservar o status quo e consequentemente perpetuar a miséria intelectual, cultural e financeira a que estamos submetidos.
Portanto, meus/minhas preclaros(as) a tecnologia que outrora era o espectro que nos assombrava com desemprego e consequentemente com miséria, nos surpreendeu, pois enquanto esperávamos que ela fosse gerar apenas miséria financeira, nos tornamos uma sociedade miserável no aspecto cognitivo, intelectual e cultural devido ao uso equivocado dela, logo, a miséria financeira será uma consequência não do emprego da tecnologia na indústria, mas sim do emprego excessivo dela no cotidiano, em detrimento dos livros.